30 de setembro de 2009

Zeitgeist

de Fernando Pinto do Amaral

Os meus contemporâneos falam muito
e dizem: «Então é assim»,
com o ar desenvolto de quem se alimenta
do som da própria voz, quando começam
a explicar longamente as actuais tendências
das artes ou das letras ou das sociedades
a pouco e pouco iguais umas às outras
neste primeiro mundo que nascemos,
agora que o segundo deixou de existir
e que o terceiro, mais guerra, menos fome,
continua abstracto, em folclore distante.

Parece que está morta a metafísica
e que a verdade adormeceu, sonâmbula,
nos corredores vazios onde às escuras
se vão cruzando alguns milhões de frases
dos meus contemporâneos. Todavia,
falam de tudo com entusiasmo
de quem lança «propostas» decisivas
e percorre as «vertentes» de novos caminhos
para a humanidade, enquanto saboreiam
a cerveja sem álcool, o café
sem cafeína e sobretudo
o amor sem amor, pra conservarem
o equilíbrio físico e mental

Os meus contemporâneos dizem quase sempre
que não são moralistas, e é por isso
que forçam toda a gente, mesmo quem não quer,
a ser livre, saudável e feliz:
proíbem o tabaco e o açúcar
e se por vezes sofrem, tomam comprimidos
porque a alegria é uma questão de química
e convém tê-la a horas certas, como
o prazer vigiado por preservativos
e outros sempre obrigatórios cintos
de segurança, pra que um dia possam
sentir que morrem cheios de saúde.

Quando contemplo os meus contemporâneos
entre as conversas trendy e os lugares da moda,
«tropeço de ternura», queria ser
pelo menos tão ingénuo como eles,
partilhar cada frémito dos lábios,
a labareda vã das gargalhadas
pela madrugada fora. No entanto,
assedia-me a acédia de ficar
assim , mais preguiçoso do que um Oblomov
à escala portuguesa - ó doce anestesia
a invadir-me o corpo, a libertar-me
desse feitiço a que se chama o « espírito
do tempo» em que vivemos, sob escombros
de um céu desmoronado em mil pequenos cacos
ainda luminosos, virtuais
estrelas que se apagam e acendem
à flor de todos os écrans
que os meus contemporâneos ligam e desligam
cada dia que passa, nunca se esquecendo
de carregar nas teclas necessárias
para a operação «save»
e assim alcançarem a eternidade.


28 de setembro de 2009

Tábua Rasa

Fingir que nada se sabe
é o primeiro passo para algo se saber

Aprender e desaprender
é o ciclo do crescer,
e do teimar,
em não desaparecer

Sermos almas plenas
É nunca as termos por pequenas

A transcendência, essa
vai ficando pelos areais das praias desertas
dos nossos sonhos. Breves.
Como a chama que sempre se apaga
quando a vela arde até ao fim

27 de setembro de 2009

Optimismo?

Descobri porque é que às vezes funciono como se tivesse um martelo em meu poder, e martelo, martelo... Sendo a dor deveras insuportável, continuo, no entanto, a martelar. Mais e mais.

A questão é que quando paro, o alivio e a tranquilidade valem por tudo o resto. Lembra-me a frase do Benjamin Lébert (Crazy - a história de um jovem):

" Se não existissem trevas nunca saberias o que significa a luz"

25 de setembro de 2009

Voltar

Só para dar continuidade às histórias que são vão contando nas entrelinhas deste blog,

o verão acabou, a tortura também.
sobrevivi.
encaro uma nova fase com uma mesma Marta de sempre

vou sorrindo devagar com medo que o escuro regresse
descubro que a cautela é inimiga da felicidade

na parte boa do ditadizinho da treta "o que não nos mata, torna-nos mais fortes":
abro-me, aceito, perdôo. Mais eu acho. E acho que isso é bom.

Estou a voltar a mim devagarinho. Tenhamos paciência.