26 de abril de 2010

Anjos & Demónios

Anjo
Numa destas madrugadas, passeava os meus cansados olhos pelos rostos e ruas conhecidas. Pousaram no desconhecimento absoluto. Repousaram no fundo dos teus olhos; aí permaneceram. Observando o reflexo de uma imagem de mim tão carinhosamente construída, o orgulho de uma vida completa encheu-me as faces de rubro. Acreditei piamente que alguém, bem longe daqui, num outro espaço, num outro tempo, tinha inventado e escrito toda a peça que as nossas personagens interpretaram de seguida. Todos os poros se abriram. Vulcanicamente ligados aos meus pulmões, toda eu era fogo, ar, terra, agua. Toda eu eras tu. Todo tu eras eu. Cada olhar faz-me sorrir, cada toque arrepia-me, vibrando em todas as minhas células. Resisto-me neste amor bom. Amor daqueles que só acontece uma vez. Como tem sido revisto nesses mass media defensores dos contos de fadas. "Não é possível ser mais feliz" disse eu. Na manhã seguinte percebi que não era assim. A cada segundo que passava fui sendo mais, mais, e mais, e mais... feliz! E agradeço-te e reconheço-te em cada esquina, a cada sopro do vento que despenteia o meu cabelo, a cada raio de sol que queima a minha pele de inverno. A cada noite que passa, eu sou mais tua e tu és mais meu. E assim quero ficar para sempre.


Demónio
Era noite. Breu escuro onde brilhava, solitariamente, a estrela. Ansiosa acabei por demorar-me na felicidade que me consumia. Parei, gelei, paralisei. Senti-me a desfazer, enquanto caia, cada vez mais fundo. Já não ouvia vozes, já não via sorrisos. Já não conseguia sorrir. Afastava-se cada vez mais, a luz da estrela que me iluminava nessa noite. Caí desamparadamente no centro da terra. Fantasmas, vampiros, zombies passeavam as suas horríveis figuras, convidando-me a entrar no mundo dos mortos. Ou dos demi-mortos, pelo menos. Mil almas surgiram da minha. Perseguiram-me com histórias, com memórias, de coisas trágicas que se foram passando de há mil anos para cá. Tenho frio. Tenho medo. Não vejo nada à minha volta. Apenas eu e as minhas disformes almas. Voltei à realidade que sempre conheci. Não sou mais do que um grão de areia. Não sou energia. Não tenho décima primeira dimensão. Nada vive dentro de mim. Sinto a minha pele rodeando uma criatura nua, suja e velha que vive no meu cérebro. Esconde-se, pequena, no canto mais escuro do meu interior. Tudo o resto já não existe. Não são órgãos, nem sangue, nem ossos. É pó. De uma fénix que ardeu até à exaustão.

Quem sou eu?
Não sei se quero saber.

3 comentários:

Unknown disse...

Não tenhas medo. Sente. Vive. Respira todas as coisas como se esse fosse o seu último momento. Guarda, cada um deles e embrulha-os no teu coração. Preenche-te, dia após dia, noite após noite.

Minha Fénix renascida das cinzas.

a tua Ju

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Sou muitas coisas. Mas de momento a mais importante de todas é ser feliz. E sou. E muito.